[:pt]A vida secreta das crianças [:]

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As redes sociais são mais do que uma forma alternativa de comunicação das crianças, são um espaço novo para expressão de suas identidades, diz pesquisadora.

 

“Moça, você tem Instagram? E Snapchat?”, pergunta uma garota. “Isso, moça, posso ver seu Snapchat?”

 

Um grupo de crianças de 13 anos, todas alunas do nono ano na Lilian Baylis School, em Londres, se aproxima zunindo em direção a meu iPhone, como um enxame de abelhas que vai a um pote de mel esquecido aberto por alguns instantes. Antes que eu possa reagir, elas já o têm em suas mãos e meu Snapchat está aberto.

 

“Você tem poucos contatos. Você tem nove ‘Me Adicionou’. Você conhece essas pessoas?”

 

“A moça nem pediu para adicioná-los.”

 

“Mostra pra mim! Mostra pra mim!”

 

“Se você não os conhece, não adicione. Só se forem amigos de seus amigos. Aí, tudo bem. Mas nunca alguém ao acaso”, aconselha em tom solene Kushana, uma das garotas.

 

“Você fez um ‘print de tela’ de um Snap. Você sabe fazer ‘prints de tela’ de Snaps?”, pergunta Oumar, outro aluno, olhando-me com ligeiro desdém. “Sua pontuação Snap é 500. Isso é bom. Olha, você pode falar com um monte de pessoas.”

 

Quando me devolvem o telefone, descubro fotos Snaps que eles tiraram uns dos outros, com filtros e lentes especiais: em um deles, vejo uma Kushana com um ar estranhamente angelical e sua amiga Jada-Renee usando coroas de flores cor-de-rosa em cima de suas tranças. Em outro, Kylie posa com cara de brava e flores florescentes flutuando em cima de sua cabeça.

 

“Estamos ‘Snapchatting’ em nossos uniformes, mas você não vai postar, não é, moça?”, pergunta Kylie, receosa. Não se trata de uma regra da escola, mas as crianças sabem que seus uniformes podem ser facilmente identificados por estranhos na internet. Então, depois de me dar uma avaliada, Kylie muda de ideia instantaneamente: “Mas você pode, sim, se quiser. Vai desaparecer depois de 24 horas, então não esqueça de salvar em suas ‘memórias'”.

 

Prestativamente, ela pega meu telefone e me mostra como fazer. Embora os próprios meninos de 13 anos estejam me instruindo sobre os perigos do Snapchat, os adultos estão cada vez mais preocupados com a forma como as telas vêm moldando os cérebros dos jovens. Fomos todos convertidos à ideia de que crescer em uma era digitalmente conectada é completamente diferente da infância vivida pelas gerações anteriores, uma mudança provocada inteiramente pela internet.

 

Pesquisadores estão empenhados em analisar cada aspecto dos efeitos da internet nos comportamentos sociais, na saúde mental e até no desenvolvimento fisiológico das crianças. Há estudos sobre novos tipos de atitudes de intimidação, desde a “trollagem” até os “pornôs de vingança”, e sobre a ascensão de criminosos e pedófilos conhecedores das artimanhas da internet. Por todos os cantos, é possível ver adultos falando loquazmente sobre suas ansiedades em relação à geração dos smartphones.

 

Mas e quanto às próprias crianças? São elas os verdadeiros habitantes do mundo virtual – os superusuários de novos aplicativos, os peritos em entretenimento on-line e, também, os críticos mais exigentes, quando essas tecnologias não ficam à altura de seus padrões. Ainda assim, suas vozes ficam frequentemente abafadas pela onda paternal de preocupações. Uma delas é que as crianças vêm se tornando cada vez mais isoladas – passam mais e mais tempo olhando para telas em seus quartos em vez de interagindo cara a cara. Voltando à escola Lilian Baylis, tento entender o que significa amizade em uma era em que maioria das crianças tem centenas de “amigos” e seguidores on-line em vários canais.

 

Kylie, descendente de equatorianos, mora em Brixton com sua irmã e os pais. Sua melhor amiga é Cheydna, uma angolana-portuguesa que mora com a mãe e a irmã mais velha a poucos minutos da escola.

 

“O que quer dizer ser a ‘melhor amiga’?”, pergunto às garotas. “Basicamente, significa que falamos pelo FaceTime todo dia depois da escola. Não gosto que as pessoas me vejam fora do colégio, porque minha aparência com o uniforme da escola é diferente da que tenho com minhas próprias roupas. Eu pareço mais velha. Então, falo apenas com ela pelo FaceTime”, diz Kylie.

 

“Ela guarda todos meus segredos e falamos entre nós em espanhol e português, que ninguém mais pode entender, então é bem legal”, acrescenta Cheydna.

 

“Nós duas queremos ser advogadas criminalistas. Falamos pelo FaceTime e nos dedicamos a estudar. Fazemos nossa lição de casa juntas”, afirma Kylie.

 

“Eu e meu telefone somos nossas melhores amigas. Sou mais próxima de meu telefone do que de minha família”, afirma Kushana, de 13 anos

 

Como seria a vida dos alunos sem seus telefones? “Eu e meu telefone somos nossas melhores amigas. Sou mais próxima de meu telefone do que de minha família. É a primeira coisa que vejo de manhã e a última que vejo de noite”, diz Kushana.

 

“Para ser sincera, eu me isolo quando estou em casa. Estou sempre ao telefone quando estou [lá]. Não é porque estou [sempre] falando com alguém, simplesmente é porque não me sinto bem sem ele”, diz Kylie, elevando a voz. “Fico no sofá com o telefone e meus fones de ouvido. Não me importo em falar com pessoas reais enquanto tiver meu telefone perto de mim.”

 

A psicóloga Sonia Livingstone passou um ano observando as vidas de 30 crianças entre 13 e 14 anos, em Londres, para seu livro “The Class” (a classe). Uma das descobertas que a surpreendeu foi que as redes sociais eram mais do que uma forma alternativa de comunicação – eram um espaço inteiramente novo para os jovens expressarem suas identidades.

 

“A internet permite flexibilidade e experimentação. Se você for uma criança somali ou que adora xadrez ou que tiver fluidez de gênero, você pode encontrar outros como você, mesmo se passar a maior parte do tempo em um raio de 10 km da escola ou de casa”, diz Sonia, professora na London School of Economics. “Até a década passada, para uma criança, era difícil encontrar uma identidade de nicho, ou ser admitido por uma, mas isso é uma questão-chave da internet. É extraordinário.”

 

É o caso de George, um menino de 14 anos “cool”, que estuda em uma escola particular para garotas, em Londres. De cabelos pretos, curtos, casualmente desarrumados pelo vento, vestindo camisa xadrez e jeans, é dono de um iPhone 6 cor champanhe-ouro, com a tela rachada. Daqui a algumas semanas, o cabelo vai estar cor-de-rosa berrante. George nasceu garota e foi batizado com nome “embaraçosamente feminino”, que não é mais usado.

 

“Foi no oitavo ano que me ocorreu. Eu meio que pensei: ‘OK, acho que sou bissexual! Ei, espere um pouco aí, sou pansexual. Então, li mais e decidi que tenho gênero fluido. Um dia, me sinto mais masculino e, outro dia, me sinto mais feminina. Em geral, me visto neutro e uso os pronomes ‘they’ ou ‘them’ [pronomes sem gênero, que vêm sendo usados como opção neutra, em inglês], o que na verdade é difícil na escola porque os professores vão se referir a você como ‘ela’.” George, quando está on-line, que é o que realmente importa, usa apenas o nome George.

 

No Instagram, uma pletora das chamadas comunidades LGBTQ ajudou George a descobrir a identidade “neutra” aos 12 anos, quando falava com outros que tinham reflexões similares ou com os que haviam passado recentemente por alguma transição. “Uma grande parte da comunidade LGBTQ está no Instagram. Estávamos lá aos 12 e 13, com pequenas borboletas, com a bandeira do orgulho pansexual e esse tipo de coisa, e o Instagram foi a forma como descobri isso.”

 

As discussões políticas são em sua maioria restritas ao Tumblr ou ao Twitter. Os adolescentes de Londres se identificam com os liberais-democratas. “Eles têm coisas como as votações para quem tem 16 anos, foram grandes [atuantes] no projeto de lei do casamento do mesmo sexo e é isso que realmente me importava. O Tumblr é amplo, não filtra; o que é politicamente interessante, porque você tem as pessoas mais à esquerda e as pessoas mais à direita e pode ver os blogs de ambos.”

 

“Eles parecem ser uma geração confiante, não parecem?”, pergunta Sonia. “Ao caminhar da escola para casa ou em seus quartos à noite, quando escaparam dos professores e não estão sob controle dos pais, é aí que eles vão para as plataformas digitais e testam coisas com os amigos, conversam e experimentam e são independentes.”

 

Para Sacha Cuddy, de 18 anos, o Instagram vem salvando sua vida. A adolescente de pele clara e cabelos escuros tem grandes olhos e um delicado piercing de prata no septo nasal. Ela acaba de voltar à escola em Lancashire para concluir os estudos. Este foi seu primeiro verão em casa, depois de dois passados no hospital. Sei de tudo isso apenas olhando sua conta no Instagram, no qual ela tem 16,5 mil seguidores e faz pelo menos uma postagem por dia. No Instagram, ela se descreve como uma escritora e uma “sobrevivente e combatente contra a anorexia”.

 
 

 

Pesquisadores concluíram que o uso de mídias sociais – particularmente aplicativos de fotos – está intrinsecamente ligado à autoestima das crianças de hoje

 

Eu havia quase desistido de conseguir uma resposta sua a meus e-mails, mas tentei pelo Instagram, onde suas respostas são instantâneas. “As palavras são incríveis, mas agregar um visual a suas palavras é ainda mais comovente”, diz ela via “MDs”, mensagens diretas. “Vejo minhas postagens como letras de um vídeo de música. É lindo e conta mais sobre uma história.”

 

Quando tinha 15 anos, Sacha fez uma dieta que acabou se transformando em um período de três anos no qual viveu com apenas de 5% a 10% da ingestão diária recomendável. “Acabei indo parar no hospital duas vezes. E quase morri algumas vezes por complicações com a saúde”, escreve. “Parei de fazer tudo que amava quando fiquei doente. Mas, um dia, tirei uma foto minha e dei um passo para trás. Pensei: ‘O que há de errado com meu corpo?’.” Sua primeira postagem na Instagram foi sobre essa foto e, desde então, sua conta explodiu com comentários de apoio e conversas sobre a aceitação do próprio corpo, saúde mental e autopunição.

 

Agora, conta ela, sua comunidade no Instagram é uma das maiores inspirações para ficar bem. “Infelizmente, sempre há a pressão [on-line] de ser alguém que você não é, e estou tentando lutar contra isso”, diz. “Toda minha mensagem é que você NÃO precisa ser de determinada forma”. Navegando por suas fotos e mensagens motivacionais, veem-se comentários de outros adolescentes. Um escreveu: “Suas postagens, honestamente, me ajudaram muito. Passei por tanto ultimamente e pela primeira vez em seis anos finalmente começo a ver um fim para todo meu sofrimento e me vejo ficando feliz de novo.”

 

“[As redes de relacionamento social] fizeram as pessoas de minha idade se sentirem mais abertas sobre o que podem compartilhar”, diz Sacha. “Sinto que minha geração tem mais compaixão e a mente mais aberta.”

 

Sem exigência de idade legal para o uso dos smartphones, cabe aos pais descobrir o momento certo para iniciar seus filhos. Em maio, um estudo da empresa de pesquisas Influence Central apontou que a idade média em que as crianças recebem atualmente seu primeiro smartphone é de 10,3 anos.

 

Isso parece alinhado com o que se vê na escola Bishop Gilpin, em Wimbledon, onde falo com uma classe de crianças de 10 e 11 anos. Foi pedido a eles que tirassem autorretratos no parque infantil. Estão todos empenhados, planejando como vão tirar seus “selfies”.

 

Ainda demasiado jovens para plataformas de relacionamento social como Snapchat e Instagram (que exigem dos usuários idade mínima de 13 anos), a maioria começa agora a ganhar smartphones, embora quase todos já tivessem um iPad desde que completaram o oitavo aniversário.

 

Muitos pais estão preocupados com os efeitos do tempo passado olhando para as telas sobre crianças tão novas. Todas com as quais falei têm um “toque de recolher” para o aparelho em casa, normalmente perto da hora de dormir. “Se faço algo ruim, eles me deixam de castigo sem aparelhos, então tento ser bom quando estão olhando”, diz Max, de 10 anos.

 

Diferentemente dos adolescentes da Lilian Baylis, as crianças de 10 anos com as quais falei não tinham interesse em redes sociais em seus telefones. Na maior parte do tempo, ficam com joguinhos ou assistindo a vídeos de bobagens, embora alguns comecem a exibir os primeiros sinais do apego viciante que os de 13 a 14 anos mostram com seus aparelhos.

 

“No meu iPad, tenho Minecraft e Clash Royale [um jogo de celular imensamente popular, no qual os jogadores lutam para destruir os castelos e fortes dos inimigos], e também gosto de jogos como Subway Surf e Color Switch”, conta um garoto de 10 anos.

 

“Vejo as pessoas jogando Clash Royale no YouTube”, diz Jack, um garoto miúdo de 10 anos que recentemente se mudou da França. “Também tenho meu próprio canal no YouTube e quando as pessoas deixam comentários me insultando, apenas os ignoro, na maioria das vezes. Meu pai me disse para fazer isso.” Pergunto sobre o que ele se filma fazendo em seu canal no YouTube. “Clash Royale”, responde.

 

“Assisto aos vídeos ‘Tente Não Rir”, em que as pessoas fazem coisas engraçadas e você tenta não rir. Como aquele em que uma torre imensa de bloquinhos de madeira Jenga caem na cara de um sujeito. Ou aquele em que um bebê corre de sua avó”, diz outro menino, rindo. “Algumas vezes, alguns de meus ‘apps’ dizem para eu me acalmar se chego a ficar nervosa”, diz Ariana, envergonhada. “Gosto do jogo Cooking Fever, em que você basicamente tem muitos restaurantes e tem que cozinhar e ganhar o máximo de dinheiro que puder.”

 

“E vídeos de gelecas no YouTube; eles são divertidos”, acrescenta Layla. “Você busca coisas pela casa, depois fica revirando o lixo reciclável. Eles dão ideias no YouTube sobre o que você pode usar pela casa para fazer gelecas.”

 

“Eu literalmente amo gelecas”, diz Jack.

 
 

 

Pesquisa mostra que as crianças de 12 a 15 anos passam o dobro do tempo on-line do que passavam há dez anos

 

Se prefeririam passar mais tempo on-line do que no mundo real? “Eu, tipo, gosto disso”, afirma Max, “mas fico irritado quando tento falar com pessoas mais velhas da família, como meus irmãos, e eles começam a olhar para seus telefones quando estão na mesa. Algumas vezes, é frustrante.”

 

“Sempre fico falando para minha mãe largar [o celular]”, diz outra criança, revirando os olhos. “Toda vez que ela acorda, o primeiro que faz é olhar o Facebook. Tento lembrá-la de que ela deveria preparar o café ou que tem alguma coisa para fazer, mas ela fica apenas olhando para seu telefone.”

 

Pergunto quando é que usam mais seus aparelhos. “Quando ainda não estou pronta para ir para cama”, diz Misha. “Vamos dizer que eu tenha sonhos ruins ou não consiga dormir. Simplesmente ligo o iPad e pesquiso algo. Preferiria ver, vamos dizer, filmes ou o YouTube.” Ele continua: “Algumas vezes, os melhores apps de usar são aqueles em que você não precisa de e-mail ou estar on-line. Quando você está cansado e na cama, você pode jogar Roblox por dez minutos e isso te deixa mais relaxado. E, se seus pais chegarem, você simplesmente esconde o aparelho debaixo dos lençóis.”

 

Na cabeça dos adultos, todos os aplicativos estão agrupados sob o mesmo rótulo, amorfo e gigante, das “mídias sociais”. As mídias sociais encorajaram o vício nos celulares, pioraram o controle dos impulsos e aumentaram o consumo de pornografia, segundo uma série de estudos. Um documento recente da Sociedade Real pela Saúde Pública (RSPH, na sigla em inglês) concluiu que a ansiedade e a depressão são exacerbadas pelo uso pesado de aplicativos de mídias sociais como Instagram, Snapchat e Twitter.

 

Na cabeça das crianças com as quais falei, no entanto, cada plataforma é diferente, da mesma forma que gerações anteriores viam um telefone e uma TV como aparelhos distintos. George, por exemplo, tem apenas seis amigos cuidadosamente selecionados, mas eles conversam o tempo todo, por múltiplos canais. No Instagram, George tem quatro contas – uma para ativismo LGBTQ, outra para cantar, uma conta de casal com uma namorada e uma conta pessoal.

 

No Tumblr, toda manhã e todo começo de noite, George escreve em conjunto com outra pessoa episódios de um conto de ficção, enviando e recebendo entre si os diálogos dos personagens. Eles querem publicar a transcrição algum dia. No YouTube, os canais a que George mais assiste são “jacksfilms” (uma série satírica de vídeos com 3,3 milhões de assinantes), “TheRPGMinx”, que mostra vídeos de jogos eletrônicos apresentados por um casal lésbico (quase 300 milhões de acessos) e “How to Cake It” (um canal sobre como fazer bolos, também com 3,3 milhões de assinantes).

 

Na tela principal do telefone de George, cuidadosamente organizada, as áreas mais privilegiadas estão reservadas para o WhatsApp, Twitter, Snapchat, Spotify e Google Docs. Deslize para a esquerda e você vai encontrar aplicativos menos usados por ele, como Pinterest, WattPad, Ever e YouNow. Cada aplicativo tem sua personalidade: Tumblr é criativo; Instagram é pessoal; WhatsApp é para conversas de grupo; Snapchat, para conversas; Twitter, para notícias; e Google Docs, para a lição de casa. Ele tem outra conta de Facebook, em grande parte negligenciada. É “esquisita, é apenas para os amigos de minha mãe que me seguem”. A maioria das contas não mostra o sobrenome de George. Muitas têm nomes falsos, para maior privacidade.

 

Entre os adolescentes mais jovens, o Snapchat reina. “Quando não consigo entrar no Snapchat, choro. Tipo, chorar de verdade”, diz Kushana, da Lilian Baylis, estremecendo, horrorizada, a cabeça. “Também uso o Musical.ly, algumas vezes”, acrescenta, referindo-se ao recente aplicativo popular que permite às crianças dublar músicas famosas. “É, nós usávamos mais quando estávamos no sétimo ano. Antes era tudo em grupos de WhatsApp, lembra?”, diz Kylie.

 

“Falo ao acaso com pessoas no Snapchat, mas as acrescento antes de decidir se as bloqueio ou não. Para ver se são mesmo interessantes”, diz Oumar, outro aluno. “Você fala com estranhos no Snapchat? Você sabe que pode ser um pedófilo de 40 anos em Essex?”, critica Nusaybah.

 

“Não posto coisas para eles. Apenas vejo o que eles postam e então vejo quem eles são e adiciono se gosto de suas histórias”, afirma Oumar, na defensiva. “Tem um sujeito que me mandou um Snap outro dia dizendo: ‘Sei quem você é, te vejo no ônibus todo dia’. Que medo”, conta Kylie.

 

Para Harsita Raja, de 17 anos, o Snapchat é onde ela “realmente interage com as pessoas”. “É algo diário. Se estou tendo uma conversa de verdade, podem ser cerca de 50 [Snaps] por dia com uma única pessoa”, ela conta (via Snapchat).

 

No Instagram, ela segue todas suas amigas em contas “finsta” (de “finstagram”, uma segunda conta “falsa” no Instagram, que as pessoas costumam usar para ter grupos privados, nos quais é possível postar mensagens pessoais ou engraçadas que não colocariam na conta normal, que é muito pública). “Só por segurança, acho, e na verdade não gosto do fato de que qualquer um possa olhar o que estou fazendo a cada momento”, diz.

 

Pesquisadores concluíram que o uso de mídias sociais – particularmente aplicativos de fotos – está intrinsecamente ligado à autoestima dos adolescentes de hoje. “Há um aspecto particularmente pernicioso nas mídias sociais que consiste em apresentar seu melhor ‘eu’, como fotos suas com a melhor luz, para parecer supermagra”, diz Adriana Manago, psicóloga na Universidade da California, em Santa Cruz, especialista em tecnologia e desenvolvimento dos jovens. “Mas não é uma representação precisa da vida das pessoas e pode amplificar inseguranças nos garotos mais vulneráveis.”

 

Pergunto a Harsita se ela concorda. “Infelizmente, sim.” Todos comparam o número de “curtidas” e “compartilhamentos” que conseguem e ninguém gosta de ficar para trás, acrescenta. “Quanto mais, melhor. O número é apenas uma gratificação instantânea. Para o FB [Facebook] ou Insta [Instagram], é usualmente de mais de 200 curtidas. [A sensação] é como de decepção. Triste, mas não há como negar.”

 

Como o reino digital em grande medida não é acompanhado por muitos adultos, ou mesmo é invisível e ininteligível, quem predomina são as crianças. Em 2015, a Ofcom, agência de comunicações do governo do Reino Unido, divulgou uma pesquisa mostrando que as crianças de 12 a 15 anos passam o dobro do tempo on-line do que passavam há dez anos. Uma pesquisa da YouGov mostrou que mais da metade das crianças britânicas tem acesso à internet em seus quartos, sem supervisão dos adultos.

 

Allison Havey, cofundadora do The Rap Project, que busca criar mais consciência sobre questões como intimidade, sexo, relacionamentos e pornografia em alunos de colégios navegando no mundo on-line, já consegue ver uma diferença entre gerações. “Tenho uma relação muito aberta com minha filha sobre a vida on-line. Mas eu perdi o barco com [o meu filho de 20 anos] Mike, porque não tivemos esse diálogo. Mas eu aprendi com meu erro e iniciei essas conversas com a Isabel [15] aos dez”, diz Allison. “Ela não me mostra tudo, é claro. Seu grupo [de amigos] está no negócio da moda e maquiagem. Ela adora comprar, vender e experimentar roupas on-line; ela é uma grande fã do [mercado on-line] Depop.”

 

Há alguns meses, a filha de Allison tentava vender um par de sapatos na Depop e foi contatada por um comprador. À medida que a comunicação prosseguiu, o comprador foi exigindo mais fotos dos sapatos sendo usados pela menina de 15 anos; quando ele pediu que enviasse um vídeo dela colocando loção para os pés antes de colocar os saltos, Allison percebeu que sua filha havia se tornado a vítima inconsciente de um possível fetichista de pés.

 

“Se um homem de meia-idade chega para você e pergunta: ‘Qual sua música favorita?’, e depois: ‘Como você fica de maiô?’. Você pensa: ‘Ugh!’. Mas quanto está on-line, você baixa a guarda”, afirma.

 

Allison muitas vezes compartilha com outros pais a maior lição que aprendeu dos próprios filhos. “Pergunte a seus filhos, ‘que amigo tem as postagens mais interessantes no Instagram? Por quê? Mostra para mim? Quem é realmente engraçado no YouTube? Quem é esquisito? Quem você gosta de ver no YouTube?'”, conta. “Se você começa a perguntar quando eles têm 11 ou 12, eles ficam mais propensos a te incluir à medida que ficam mais velhos.”

 

Para os que se preocupam com a natureza viciante dos celulares, já bem documentada, algumas pesquisas indicam que muitas crianças lentamente começam a sair do frenesi, com alguns até passando a ter um estilo de vida de “baixo teor de tecnologia”, especialmente depois que passam a parte mais complicada do início da adolescência. Em maio, uma pesquisa da organização de pesquisas sociais Norc, da Universidade de Chicago, mostrou que 58% dos adolescentes americanos disseram ter se afastado das mídias sociais, muitos voluntariamente.

 

Sanjana Poddar, de 15 anos, de Wimbledon, diz ter conseguido largar o Snapchat neste ano. “Ficou irritante, porque constantemente todos ficavam documentando tudo. Depois de certo ponto, não queria ficar em uma sala de pessoas com todos olhando para seus telefones”, diz. Algumas vezes, ela se sente excluída ou que perdeu algo quando vê todos na escola compartilhando histórias engraçadas no Snapchat, mas, então, se lembra de por que parou. “Era como forçar alguém a se lembrar de que você existe. E eu fiquei cansada disso.”

 

Ela ainda usa o WhatsApp, para conversas de grupo, o Instagram, para ver conteúdo de arte, e o Spotify. No Twitter, segue escritores e políticos como Donald Trump, que é “bastante divertido e me mantém atualizada”, diz. Mas quando quer realmente ter foco, usa um aplicativo chamado Forest. Programa-se um temporizador pelo tempo que se desejar, digamos 30 minutos, e um jardim virtual começa a crescer em sua tela. Se você usar o telefone, “suas árvores vão morrer e o jardim vai ficar horrível”. “É um app realmente legal.”

 

Ela sabe que nunca vai desistir da internet completamente. “Em grande parte, realmente define nossa geração. Sabemos como usá-la e a usamos em seu máximo. Mas acho que de fato vem fazendo as pessoas perderem contato com a realidade; as pessoas estão tão acostumadas com a barreira protetora do uso dos eletrônicos, que quando ela não está, se sentem inseguras”, diz. “As mídias sociais de fato permitem que as pessoas sejam elas mesmas, acho, mas você não pode viver on-line, pode?”

 
 
(Tradução de Sabino Ahumada)
 
Por Madhumita Murgia
Fonte: Valor Econômico[:]

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