[:pt]O que é, afinal de contas, o “choking game”? Especialistas alertam sobre riscos e motivos por trás de comportamento.
HISTÓRICO
O que é “choking game”?
O “choking game”, ou jogo de asfixia, é uma atividade classificada por estudiosos como um jogo de não-oxigenação. É uma prática que consiste em cortar a passagem de ar para o cérebro. A psicóloga Juliana Guilheri desenvolve um doutorado na França sobre esse tipo de manifestação e conta com a participação de 802 crianças francesas e mil brasileiras. Ela ressalta que “são comportamentos de risco e não são nem ‘brincadeiras’ e nem ‘jogos’.”
O que leva alguém a participar do jogo?
O principal motivo é a pressão para ser aceito em um grupo, mas a curiosidade é um fator determinante, de acordo com a psicóloga Fabiana Vasconcelos, gestora do Instituto Dimicuida, que trabalha com a conscientização e a troca de informações sobre “choking games”. “A adolescência é uma época natural de experimentação. A busca de uma representação externa, de uma participação de um grupo, é algo natural. Além disso, há a curiosidade. Os jovens querem saber os limites do próprio corpo. O problema é que, na maior parte dos casos, eles não sabem”, diz Vasconcelos.
Segundo o Dimicuida, os adolescentes que se dispõem a praticar o “choking game” quase nunca manifestam comportamento suicida.
Quando o “choking game” surgiu?
Segundo Fabiana, os jogos de asfixia surgiram há bastante tempo, mas não é possível determinar exatamente quando. Na França, país referência em estudos sobre a prática, os registros mais antigos são datados de 1950.
SAÚDE
Quais são os perigos do “choking game” para a saúde?
Além do risco de morte, os jogos de asfixia são considerados de alto risco por especialistas, já que o corte no fluxo de oxigênio para o cérebro pode deixar sequelas. “O cérebro já sofre danos neuronais se ficar entre 2 e 3 minutos sem oxigênio”, diz Fabiana. “Com 5 minutos, a pessoa pode ter uma parada cardiorrespiratória”. Entre as sequelas estão cegueira temporária ou permanente, perda dos movimentos dos membros inferiores, convulsões, epilepsia e perda de cognição.
Quantas pessoas já morreram no Brasil por participarem de “choking games”?
Não existe um estudo consolidado sobre “choking games” no país. “As Secretarias de Segurança Pública registram como morte acidental ou erroneamente como suicídio”, diz Fabiana. “Os números que temos são informais, de famílias que entram em contato. Desde 2014, registramos 8 famílias em Fortaleza (CE) e duas no estado de São Paulo.” “No Brasil, estimamos que cerca de 4 em cada 10 crianças e jovens (40%) já praticaram ao menos uma vez um ‘jogo de asfixia’ e que 8% dentre eles já provocaram o desmaio voluntário”, afirma Juliana Guilheri.
TECNOLOGIA
Há relação entre “choking games” e jogos online como “League of Legends”?
Não existe relação direta entre a linguagem dos games e das redes sociais com esse tipo de desafio, segundo Marcia Padilha, consultora na área de educação e tecnologia. Ela acredita que a situação poderia acontecer independentemente do ambiente, mas acaba surgindo no mundo digital por ele ainda contar com pouca supervisão dos adultos.
“Numa cidade como São Paulo, as crianças acabam tendo poucas possibilidades de interação ao ar livre, no quintal. E as interações online acabam sendo muito importantes para elas. Como as crianças estão sozinhas no quarto, é confortável para os adultos porque eles não têm tempo de proporcionar uma atividade, e isso acaba virando uma bola de neve. Como os nudes”, diz.
O que a criadora de “League of Legends” diz a respeito do “choking game” e do caso do garoto Gustavo Detter?
Procurada pelo G1, a produtora Riot Games afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que não irá comentar o assunto.
Houve aumento de ocorrências por causa da internet?
Na opinião de Marcia, a internet tem o poder de potencializar e disseminar ideias – boas e ruins. “O que é moda na escola do meu bairro passa a ser moda mundial”, ela diz. Entre 2010 e 2016, o número de vídeos no YouTube com registros dos desafios (com a nomenclatura “brincadeira do desmaio”) saltou de cerca de 500 para 19 mil, de acordo com Fabiana Vasconcelos. E isso apenas no Brasil. Nos EUA, eles chegaram a 600 mil em 2016.
Quais redes sociais e aplicativos são usados para os “choking games”?
“Existem dois estudos americanos, de 2010 e 2016, que comprovam a influência do YouTube para a prática dos comportamentos de asfixia em ‘jogos’ ou ‘desafios'”, explica Juliana Guilheri. Ela defende a criação de uma lei que proíba a postagem e difusão de vídeos do tipo. “Esta lei já está em funcionamento na França desde 2013 e pode multar o infrator em até 75 mil euros (R$ 257 mil) ou até resultar em pena de prisão. Os motores de busca também são responsabilizados. A lei, felizmente, funciona.”
Fabiana Vasconcelos também aponta que muitos jovens utilizam aplicativos de mensagens como o WhatsApp para disseminar a prática.
O que os pais e as escolas podem fazer agora para evitar esse comportamento?
Fabiana afirma que os pais precisam primeiro saber da existência desses desafios. Também é importante abrir um diálogo em casa para falar sobre brincadeiras perigosas. “Tenham acesso ao histórico de navegação de seus filhos na internet. Saibam com quem eles conversam. A privacidade do jovem em um aparelho eletrônico é de propriedade da família. O jovem não apenas precisa como quer esse monitoramento.”
Marcia defende que é preciso mergulhar e entender o mundo digital, se preparando para novas situações. “Quando seu filho vai à praia, você fala para ele ir só até onde a água bate no joelho, para não ir onde tem pouca gente. Existem regras físicas. E você já foi várias vezes à praia. Mas se você não visita o virtual, temos um problema. É fácil dar uma resposta monocausal para um assunto que é multifatorial. É mais fácil achar um bode expiatório”, afirma.
“A escola precisa se aproximar dos instrumentos, das situações e cenários digitais, para poder orientar os alunos no ato em que as coisas acontecem. Um feedback imediato. Se a escola não traz a tecnologia de uma forma transparente, ela tem pouca oportunidade de pegar o jovem na ação para fazer uma orientação”, complementa Marcia Padilha.
Como a imprensa internacional cobriu a morte do jovem Gustavo Detter?
O caso não teve grande repercussão mundo afora. Ele foi reportado pelo site Rift Herald, página conceituada e especializada em notícias de “League of Legends”, e por alguns tabloides britânicos, como o “Mirror” e o “Daily Mail”.
Fonte: G1
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